*Por Melitha Novoa Prado
Fusões e aquisições no varejo estão em alta – e não é de hoje. O mercado, aquecido, nas últimas semanas observou a compra do grupo Trendfoods, detentor das marcas China in Box e Gendai, pelo grupo Trigo, dono da Spoleto. Também ocorreu a aquisição da Cão Cidadão pela Petz, num movimento que ampliou o foco de atuação em serviços desta varejista, que agora igualmente atua com adestramento de animais. A tendência é que outras aquisições ocorram em 2022 – e, ainda, que existam fusões de marcas afins.
Quando se pretende fazer uma fusão ou aquisição, os fatores tangíveis do negócio têm análise complexa e envolvem diversos especialistas. É necessário que se faça uma due dilligence – avaliação dos riscos da operação – em todos os departamentos da empresa comprada ou, na fusão, nas duas companhias. As áreas financeira, administrativa, jurídica e contábil são acionadas, para que se mitiguem os riscos do negócio, e uma operação de varredura é realizada. Mas, como citei, essa operação é tangível e, ainda que detalhista, é tecnicamente realizável.
Quando, porém, se quer fazer uma fusão ou aquisição de uma rede de franquias, o procedimento não envolve apenas uma due dilligence, mas, muitos fatores intangíveis, aquilo que está implícito, porque franquia é puramente relacionamento. Aqui, o comprador não adquire somente pontos de venda, equipes e estoques. O franqueado que vem junto com a marca não é um funcionário, mas, sim, um parceiro de negócios. E essa sutileza do relacionamento tem questões que precisam ser analisadas antes da fusão ou aquisição para que, depois do negócio efetivado, não ocorram problemas culturais impossíveis de serem administrados pela nova empresa que se forma.
Mas, por que a franquia é assim tão diferente de outros negócios de varejo?
Para começar, a franquia tem uma lei própria, a 13.966/19, que elimina o vínculo empregatício entre o franqueador e seus franqueados. Quando uma rede varejista adquire outra e tem dois colaboradores ocupando o mesmo cargo, acaba demitindo um deles e fica com o que considera mais adequado ao momento. Mas, na relação de franquia, não se pode demitir o franqueado: ele investiu em sua marca e formou um relacionamento com ela. Portanto, tem um contrato que o protege – e que precisa ser cumprido, mesmo que a nova gestora da marca tenha ressalvas em relação aos caminhos adotados pela gestão antiga.
Não é possível, muito menos saudável, que uma nova gestora não entenda qual o caminho deverá ser seguido para implantação de novos conceitos e modus operandi diferentes dos adotados por sua antecessora. Não se trata apenas de uma resistência ou dificuldade do franqueado nesta adaptação, mas uma falta de conexão com esta nova gestão que poderá causar problemas no relacionamento que, facilmente, chegará no cliente final. É aqui que digo que, nessa nova gestão, o invisível nos salta aos olhos: novas formas de se relacionar com o franqueado ou novos procedimentos operacionais podem, sim, impactar no faturamento da rede – e negativamente!
Assim, é preciso que quem compra uma marca tenha sinergia com diversos aspectos da cultura da empresa adquirida, de maneira a conduzir essa passagem de bastão da melhor forma possível, respeitando os investidores e operadores das unidades franqueadas.
É necessário que se entenda que nenhuma franqueadora é igual a outra. Existem gestões que ainda são top down, ou seja, nas quais o franqueador determina todas as regras do negócio, sem a participação ativa da rede franqueada. Nas gestões participativas, ao contrário, os franqueados são ouvidos e atuam em prol da marca, numa estratégia que congrega ideias, conhecimento e se realiza uma operação conjunta por meio de comitês temáticos e/ou regionais, associação de rede de franquia e conselho de franqueados, por exemplo. E há, por fim, as franqueadoras que mesclam as duas formas, com determinadas áreas sendo de total responsabilidade da franqueadora, sem permissão de interferência dos franqueados, e outras com acesso maior de toda a rede.
Assim, como cada forma de gestão é uma, quem é comprado pode sentir o efeito de forma adversa, caso o adquirente não tenha a sensibilidade de estudar, entender e transformar a cultura empresarial de uma maneira suave, consciente e profissional.
Se um franqueado, por exemplo, tinha um canal de comunicação aberto com a franqueadora e, na nova gestão, se sente isolado, poderá perder o entusiasmo pela marca e, com isso, passar a performar mal. Ao contrário, se dele não era exigida uma participação ativa e, de repente, isso virou uma questão fundamental, pode haver uma resistência pontual, exatamente porque novas normas de conduta lhe foram exigidas repentinamente.
Levando-se em conta que mudanças costumam assustar o ser humano, a prudência de estudar a cultura de uma marca, o comportamento de seus franqueados e o que ela pretende para o futuro é salutar, quando se pretende adquiri-la. Desta forma, o intangível torna-se mais fácil de ser administrado, porque as mudanças que serão implementadas seguirão uma trajetória mais integrada, no qual todos poderão caminhar com mais segurança e confiança.
Após participar de algumas fusões e aquisições em franchising, posso afirmar que as mais bem sucedidas foram aquelas em que as marcas tinham valores e culturas afins. Dificilmente, uma franqueadora com cultura 100% expansionista – aquela que cresce de forma acelerada – tem sinergia com uma franqueadora que cresce de forma orgânica, investindo no seu processo de seleção e praticando uma gestão mais participativa e colaborativa. E os franqueados dessas duas redes são completamente diferentes.
Na prática do Franchising Consciente, a fusão e a aquisição também devem ser pensadas para a sobrevivência saudável das marcas e, acima de tudo, a maturação do relacionamento entre o franqueador e seus franqueados, com o objetivo de estruturar uma rede unida, comprometida, dedicada e feliz.
*Melitha Novoa Prado é advogada especializada em franchising, com mais de 30 anos de experiência.
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